Da Escola 17 de Setembro, no Uíge, aos Bichos do Mato, em Luanda, esses que trocaram as voltas ao Núcleo do INEF da Cidade do Kilamba, António Teko, 24 anos, precisou de nove anos para, a pulso, guindar-se à condição de principal referência do fundo em Angola



06/01/2024  ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 11H20

© Fotografia por: M.MACHANGOMGO | EDIÇÕES NOVEMBRO

Como nasce para o atletismo. Foi influenciado por alguém?

António Teko – Comecei a praticar o atletismo em 2013. Na altura eram disputados os Jogos Escolares, a nível nacional. Os estudantes competiam entre escolas, nas várias províncias, para apurar o finalista, que ia à fase nacional. Eu estudava na Escola 17 de Setembro, no Uíge, e recebi o convite de um amigo meu, o António José.  

Contas feitas, estava com 13 anos. O convite foi logo para o atletismo?

Era mesmo miúdo. O meu amigo disse-me que havia muitas modalidades, mas ele estava no atletismo. Eu perguntei o que era isso de atletismo. E ele disse que era corrida. Como na infância eu jogava muito à bola, e era ala, que tinha de correr, achei interessante. Fui lá fazer a inscrição. Mas entrei numa fase que o campeonato já estava a terminar, por isso só participei numa competição. 

E a prova que disputou, venceu?

Venci a corrida da minha escola, a 17 de Setembro. A geral da província não. Os que foram para a final, vieram competir na fase nacional, aqui em Luanda. O treinador Simão Pedro "Mister Simão” recolheu alguns atletas, onde me inseria, porque depois de experimentar ganhei paixão e abracei a causa. Comecei a treinar com ele. Foi o treinador que me deu os primeiros passos no atletismo. 

Esse treinamento era feito no Uíge, ou exploravam também a altitude do Negage?

Não. Foi mesmo na cidade do Uíge, porque é onde eu vivia. Naquela altura, ainda como iniciados, não se tinha nada em mente, como detalhes de estágio. Com esses primeiros passos, continuei o meu trabalho. Esperávamos que viessem novos Jogos Escolares, mas infelizmente, em 2014, já que tinha começado no final de 2013, foi a última edição, até o regresso recentemente, sem aquela abrangência nacional. 

Apenas treinava, ou também competia?

Lembro-me que começo a trabalhar com o Mister Simão, em Julho de 2014. Depois, no aniversário das Finanças. Lá no Uíge as Finanças realizavam sempre corridas. No dia 3 de Outubro, venci a minha primeira corrida nos juniores, numa prova de 6 quilómetros. Este pódio deu-me mais motivação. Dois anos depois, isso em 2016, um dos treinadores, o Pedro Bianda, porque na província só existem dois treinadores; ele e o Simão Pedro. O Mister Bianda acompanhava o meu desempenho, e foi ter comigo. Na verdade, o outro é mais treinador para passar as bases. Faltavam os aspectos da especialidade.

 Então mudou de orientador?

O Mister Bianda foi ter comigo e descreveu as minhas características. Falou da minha dedicação ao treino. No entanto, chamou atenção para o facto de eu correr por cima de lesões. Disse que o trabalho que recebíamos acabava por nos prejudicar, a julgar pela nossa idade. Na altura ele também competia nos paralímpicos. Eu testemunhava o nível de treino que ele tinha. A equipa dele, sempre que viesse a Luanda, regressava com prémios. Então não hesitei, e ele começou a conduzir a minha formação, de 2016 a 2019, quando acabei por me mudar para Luanda.

Mas foi o atletismo que o trouxe a Luanda?

Vim assim que terminei os meus estudos, no Ensino Médio. Geralmente dizemos que Uíge é uma província para se formar, e não para fazer a vida. Há muita dificuldade de emprego. Então, uma vez que tenho familiares em Luanda, disse que vinha para cá batalhar. Se não conseguisse no atletismo, pelo menos noutros campos iria conseguir trabalhar. Daí conversei com o treinador. Ele lamentou muito, porque fui um dos seus atletas favoritos. Mas desejou-me boa-sorte. 

E mal chegou, continuou a treinar?

Não. Depois de me mudar, fiquei um tempo parado. Não conhecia nenhum atleta aqui, e não tinha o calendário de competição. O treino também era isolado, quando no Uíge treinava com os colegas. Isso causou alguma desmotivação. Treinava duas, três vezes por semana. A seguir,     veio a Covid, que paralisou tudo. Quando se abriu excepção para o desporto, o Governo deu apenas permissão para um número restrito. Só as modalidades federadas. Isso piorou ainda mais a minha situação. Fiquei parado.

 De que forma é que recuperou a vontade de treinar?

Em 2021, graças a Deus, consegui um trabalho na Cidade do Kilamba. Enquanto caminhava na minha rotina, passo pelo INEF (Instituto de Educação Física) e vejo alguns alunos a correr. Nós os atletas nos conhecemos. Pela forma de correr, conseguimos identificar um atleta federado. Vejo lá o Mário Afonso, ex-atleta do Petro de Luanda. Fui ter com ele, conversámos e depois me juntei a eles, no núcleo do INEF. Assim comecei a ter acesso às datas de competição. Representei o INEF durante um ano. Naquela altura os grupos estavam ainda a crescer. Não havia o movimento que se tem hoje.

 Teve alguma conquista com as cores do INEF do Kilamba?

Em Junho de 2021, houve a terceira edição da corrida do Banco BIC, no Talatona. Participei e saí em quarto lugar. Aí fiquei ainda mais motivado. Comecei a treinar ainda mais forte. Foi assim que chegou a Mini Meia-Maratona. Uma prova de 14 quilómetros e meio, que a Tchaco organizou. Tive um impasse nas inscrições. Não conseguia fazer o pagamento no site. Deram-me o contacto do presidente dos Bichos do Mato, Paulo Pina, expus a preocupação. Ele disse que já tinha falado com o nosso treinador do Núcleo do INEF, para fazermos parte dos Bichos do Mato, mas não teve uma resposta positiva. Pediu-me os dados e fez a minha inscrição como atleta da equipa. Marcámos um treino nos Coqueiros, para nos conhecermos. Viram a minha forma de correr e gostaram. 

E como foi a primeira prova pelos Bichos do Mato?

Comecei bem, mas no nono quilómetro cabei por baixar. Eu corria de ténis, que abriram. Sentia o calor do asfalto, enquanto os adversários tinham boas sapatilhas. O pelotão acabou por me passar, e terminei na quinta posição, depois de ter comandado a prova nove quilómetros, sozinho. A partir daí, o grupo viu que estava ali matéria para apostar. Um sonho pela frente. Arranjaram-me dois pares de calçados da Nike, que na altura eram lançamentos. 

Não vai dizer que os novos  calçados fizeram a diferença?

Afirmativo! Justifiquei o investimento. Logo a seguir, na corrida do "Herói Nacional”, casco o primeiro lugar, dois meses depois! Estamos em 2022. Fiquei à frente dos próprios atletas federados que, na prova anterior, tinham passado por mim. A partir daí, os apoios e investimentos dos Bichos do Mato começaram a mudar. Uniforme, calçado, relógio, foi-me dado. Em Julho deste mesmo ano, passei a preocupar a concorrência. Sobretudo quando ganho a prova do 17 de Setembro, com o Petro de Luanda e o 1º de Agosto presentes. A imprensa começou a expandir o meu nome no atletismo.

 

Foi aí que nasce a ideia de participação na São Silvestre?

Pelos resultados que eu estava a obter, isso em Novembro, a direcção optou pela realização de um estágio, para participar na São Silvestre. Perguntaram-me onde eu queria estagiar. Eu disse que o melhor seria na minha terra, que domino e o clima favorece. Também tinha lá o meu treinador de formação. Lá fomos e depois deu este boom, aí na São Silvestre, com o segundo lugar.

"João Ntyamba é a minha inspiração”

Que projectos tem, até à próxima São Silvestre?

Por exemplo estive, em 2022, na Meia-Maratona da EDP, em Lisboa. Serviu para preparar a São Silvestre. Foi a minha primeira prova naquela distância. Corri na elite internacional, entre 50 atletas. O actual recordista mundial dos 21 quilómetros, o queniano Brimin Kiprop Kipruto, também esteve presente. Terminei em 26º, entre 11 mil atletas, com a marca de 1h05 minutos.  

Quantas provas precisa, para aparecer no final do ano em boa forma?

As provas que preciso, são provas internacionais. Aqui no país, já não temos atletas rápidos. Hoje em dia o fundo é diferente do passado. Chamo a essa geração, a geração dos recordes. Já não é como os nossos treinadores nos ensinaram, no início da carreira. Hoje temos velocistas no fundo. Não há tempo para gestão. Hoje o atletismo é rapidez. Mas a continuar a competir aqui, será mais difícil atingir as performances desejada para fazer frente aos estrangeiros. 

Tem marcas em vista para bater?

A dos 10 quilómetros não sei de quem é. Só sei a dos 21, que é 1h02 minutos, do João Ntyamba. 

 

Não há uma equipa nacional na São Silvestre porquê?

De facto seria melhor. Somos todos amigos. Mas no momento da corrida, ficam todos preocupados com o Teko.  

Quando é que voltaremos a ter um vencedor angolano, numa prova com estrangeiros?

Para isso acontecer, primeiro o próprio Governo tem de olhar. Em particular o Ministério da Juventude e Desportos. Tem de apoiar. Para ter um registo de 28, 29 minutos na São Silvestre, requere muita preparação. Não estamos a dizer simplesmente treinar. Aqui entra o sector de saúde, a alimentação adequada. O próprio subsídio em si faz bem à psique do atleta. Às vezes o Governo, primeiro tem de pôr a mão, e depois é que vem a dedicação do atleta, na preparação e na competição. Depois, no final, a união entre os atletas. O jogo de equipa. Esta marca que o namibiano teve, não é uma marca de assustar. É muito fácil de atingir.  

De que forma se pode melhorar a concorrência?

Para vir um atleta com marca de 28, 27 minutos, também se olha para o prémio. O valor de três mil dólares não é nada. Se a Federação garantir, suponhamos, dez mil dólares, oito mil dólares, vamos ver atletas de 27 minutos a virem correr em Angola. É por isso que a São Silvestre de São Paulo (Brasil) é a melhor. Os prémios atraem as estrelas.

 A Nike esteve lá presente, com os seus atletas. 

Quem são os seus ídolos em Angola?

Bem! Uma vez que temos apenas um recordista nacional, essa pessoa acaba por ser a minha referência. Uma motivação para mim, que é o João Ntyamba. Porque é graças a ele, que hoje em dia digo que tenho de fazer na meia-maratona, um dia, 1h02, 1h01. Porque quero fazer o novo recorde nacional. Quando nos apontamos a esse tipo de metas, é claro que nos estamos a inspirar em alguém, porque alguém começou. Então o João Ntyamba é uma referência nacional. Se tivesse sem treinador, é claro que seria treinado por ele. Sentiu na pele o que eu sinto. Sabe o que é ser atleta. Ele é actualmente o melhor de Angola. 

 E além-fronteiras quem o inspira?

Internacionalmente inspiro-me no queniano Eliud Kipchoge. É um atleta que veio mudar o atletismo a nível mundial. Antes dele, já houve outros recordes. Mas o dele foi de espantar. É só para ver que o mérito não se compra. Conquista-se. Olha que actualmente já não é o recordista. Agora é o Kelvin Kiptum, também queniano, que está com duas horas certas, na maratona. O Kipchoge tem 2h01, mas continua a ser a referência. Trouxe uma visibilidade diferente ao atletismo. É por isso que digo que hoje em dia o atletismo não é resistência, porque resistência todo o mundo tem. Hoje o fundo é rapidez.  

Faz alguma coisa fora do atletismo?

Apenas faço atletismo. Trabalhava no ramo de informática, mas tive de pedir para abandonar o trabalho de designer. Não estava a dar para conciliar. Trabalhava das 8h00 às 19h00, e no atletismo o meu dever é simplesmente treinar e o rendimento é maior, então decidi ficar apenas dedicado à competição. Não dar para misturar coisas, para não atrapalhar. O atleta precisa de descansar bem.

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